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Construção civil e a terceirização frente à súmula 331 do TST

 

O tema abordado a seguir merece reflexão dos agentes envolvidos com a indústria da construção, onde o conhecido “empreiteiro”, e mais recentemente denominado “terceirizado”, tem posição de destaque quando tratado segundo a legislação vigente dentro de uma relação contratante/contratado sadia.

Ultimamente, muito se tem falado e escrito sobre terceirização como se o tema fosse novo, como se terceirizar um serviço fosse ato surgido a poucos anos, ignorado por muitos que, o que se chama hoje de “terceirização na construção civil” é algo tão antigo quanto a própria indústria da construção civil, apenas com outro nome, “empreitar”, ou seja, contratar empreiteiros.

Rejeitam a idéia da empreitada na construção civil, identificando-a como terceirização irregular, somente aqueles que desconhecem o universo da construção civil brasileira.

A construção civil é uma indústria de montagem – podendo-se até traçar um paralelo com a indústria automobilística – onde várias empresas fornecem peças e assessórios que serão colocados no produto final.

Uma construção é feita por partes, independentes umas da outras, com o uso de equipamentos e mão de obra específica para cada uma delas, citando-se como exemplos iniciais e genéricos: fundação, estrutura e acabamento.

Desconhecem os críticos da empreitada na construção civil, que uma construtora não possui continuidade em seus serviços, citando-se como exemplo expedito, a fundação; ou seja, uma construtora não possui continuidade nos serviços de fundação por não ter obras que estejam nesta fase em continuidade uma da outra.

Ampliando o raciocínio acima, se pode dividir em duas etapas o que chamam os críticos de terceirização na construção, quais sejam: a etapa que necessita de equipamentos especializados e a etapa que necessita de mão de obra especializada.

Na primeira, equipamentos:
-    Terraplenagem – é um serviço para o qual se faz necessário o uso de equipamentos pesados, de alto valor, que servem para a preparação do terreno onde será construída a obra. A duração desta etapa é variável, mas sempre em prazo pequeno quando comparado com o prazo total da construção.
-    Fundação – é um serviço altamente especializado com o uso de equipamentos sofisticados e de alto valor, usado apenas no período inicial da obra.
-    Montagem de estruturas pré-fabricadas – nesta fase se faz necessário o uso de equipamentos pesados para a colocação das peças pré-fabricadas nos locais indicados pelo projeto, uso este que ocupa apenas parte do tempo previsto no cronograma físico da obra.
Na segunda etapa, mão de obra:
-    Construção, no local, de estrutura em concreto armado – nesta etapa a mão de obra utilizada é composta por carpinteiros e ferreiros, profissionais especializados, que desempenharão suas tarefas apenas durante a execução da forma e da ferragem da construção.
-    Impermeabilização: serviço executado com mão de obra especializada, cuja duração pode ser de apenas alguns dias.
-    Colocação de vidros: serviço executado em período curto dentro do cronograma da obra.
-    Colocação de calhas: serviço similar ao anterior.

Outro ponto a abordar diz respeito ao porte das construtoras brasileiras, com a imensa e esmagadora maioria empresas de pequeno porte, responsáveis pela construção de uma, no máximo duas obras em determinado período de tempo.

Esta breve abordagem leva qualquer leigo em construção a entender que a construtora não possui continuidade nas etapas de uma obra, isto é, ao terminar a estrutura de uma obra, não possui outra para onde deslocar seu contingente de mão de obra – reiterado fica, ser este apenas um dos inúmeros exemplos idênticos ou similares.

Ao contratar empresas “terceirizadas” – empreiteiras – que fornecem mão de obra especializada a construtora possui a certeza de que esta mão de obra é qualificada.

Por outro lado, o empregado da empreiteira possui a certeza de que seu emprego estará garantido, que pode se estender por longos períodos, com seu empregador, atendendo uma construtora após outra, o que não ocorreria no caso de contrato direto com a construtora que o demitiria quando fosse concluído o serviço no qual ele, empregado, é especializado.

Ainda seguindo esta linha de raciocínio, terminar com a empreitada na construção civil, identificando-a como terceirização fraudulenta, aumentaria a rotatividade da mão de obra com os empregados, que recorreriam, sempre que permitido, ao seguro desemprego, além da retirada dos valores depositados no fundo de garantia por tempo de serviço.

Estas duas ações não são benéficas para o empregado, para os brasileiros e para o país, contribuindo ainda para o aumento do desemprego e da informalidade.

Em abordagem simples, seguindo um raciocínio com foco no bem de empregadores e empregados, não é possível concordar com a idéia de que a terceirização deve ser abolida na construção civil.

Em análise mais profunda, esquecendo a superficialidade com que alguns encaram este tema, estudando a legislação vigente em sua origem é notório entender que a terceirização que deve ser combatida é a “falsa terceirização”, aquela que não garante os direitos inerentes do empregado nas relações capital/trabalho, empregado/empregador, incluindo-se sua garantia de acesso à segurança e a saúde.

Confundir a relação sadia com a relação irregular significa tomar posição que nada tem a ver com a relação honesta e benéfica a todos os entes participantes do universo da construção civil, quando seguida a legislação que rege este tema.

Por que o Código Civil possuiria, em “Direitos e Obrigações”, um extenso capítulo sobre “Empreitada” se não fosse permitida a terceirização?
Vale insistir, combater a terceirização predatória sim, propor a extinção da terceirização legal, não.

A alegação de que a terceirização da mão de obra cabe apenas para atividades meio não se justifica como verdade única quanto à construção civil. Ou melhor, a expressão “atividade meio”, na construção civil, não pode ter a mesma conotação que recebe em outros segmentos industriais, segundo a qual se a atividade terceirizada traz valor agregado ao produto final é terceirização irregular.

Ora, elevador, por exemplo, é parte de uma construção, é valor a ela agregado. A fabricação e a montagem do elevador são feitas por especialistas. Que construtora terá empregados próprios para montar o elevador de sua obra?

Parede em “dry wall”, outro exemplo, é parte da construção, é valor a ela agregado. Que construtora de pequeno porte, que possui apenas uma obra em andamento em determinado período terá empregados especializados em montar estas paredes?

Estrutura é parte da construção, é valor a ela agregado. Que construtora manterá em seus quadros carpinteiros e ferreiros quando a estrutura estiver concluída?A mesma pergunta vale para todos os serviços executados em uma construção.

Aos que insistem em eliminar a terceirização – ou empreitada – na construção civil se faz oportuno mais algumas perguntas. Existe, no Brasil, empresa que possua equipamentos próprios e mão de obra própria para todas as fases e serviços de uma obra? Se existir é em número reduzidíssimo, exceção para confirmar a regra.

Empregados especializados aceitarão vínculo de emprego em períodos de dias, ou semanas ou mesmo alguns poucos meses? Empregado aceitará ser contratado por uma empresa que o dispensará logo após um curto período de trabalho, obrigando-o a procurar outra empresa onde seu serviço seja necessário, ou preferirá ser contratado por empresa fornecedora de mão de obra sabendo que esta sempre terá clientes com obras onde ele estará trabalhando?

Ao ser desligado do emprego será possível imaginar que o empregado não irá recorrer ao seguro desemprego, aumentando assim o custo que todos os brasileiros pagam? Enquanto estiver usufruindo o seguro desemprego o empregado irá ficar sem nada fazer ou vai procurar trabalho na informalidade?

Ao ser despedido de uma construtora por término da etapa para qual é profissional especializado o empregado não irá retirar o dinheiro que possui depositado em sua conta junto ao fundo de garantia, dinheiro este que fará falta em financiamentos para empreendimentos que visam beneficiar brasileiros?

Como explicar às milhares de pessoas que vivem honestamente da terceirização o contraditório entre o Código Civil Brasileiro e a eliminação pura e simples da terceirização? Os mais afoitos poderão responder: Devemos cumprir a “Sumula 331” editada pelo TST.

O mais lógico e plausível é interpretar o posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho ao emitir a Súmula 331 como uma forma de punir, ou mesmo eliminar, a relação capital/trabalho desonesta, incestuosa, ilegal, exercida por empresas que se baseiam no artifício mentiroso da terceirização para fugir ao pagamento de tributos, para usar a informalidade em benefício próprio ou tantas outras formas de usufruir ganhos por meios ilícitos.

Importante é que as contratações de empresas terceirizadas sejam feitas através de contratos onde é exigido, de forma clara e irredutível, que as condições de segurança no trabalho e proteção contra doenças profissionais sejam garantia plena aos empregados.

Portanto, aos que defendem o fim da empreitada na construção civil, rotulando-a de terceirização visando fraudar direitos trabalhistas, cabe se aprofundarem no tema e, principalmente, procurarem conhecer como funciona este mundo particular.

Mundo onde estão milhões de brasileiros trabalhando honestamente e de forma legal. Mundo que abriga desde empregados sem qualquer especialização até empregados altamente especializados.

Por fim, cabe informar que este texto visa despertar para o conhecimento da Indústria da Construção Civil e os reais benefícios a ela incorporados pela terceirização, terceirização legal.

Este é um tema que desperta discussão, portanto aceitam-se críticas e sugestões.



Sergio Ussan
Engenheiro de Segurança do Trabalho.
Membro do CPN/NR 18.
Coordenador do curso de Pós Graduação em
    Engenharia de Segurança do Trabalho da
    Unisinos (RS).
Consultor de empresas.
Diretor da SL Engenharia e Consultoria Ltda.



Texto publicado na Coluna Construir com Segurança da revista CIPA edição 13 de dezembro de 2005.



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